À direção e comunidade do IEL.
Devido à situação tremendamente atípica que vivenciamos, em estado de calamidade pública (1) e demandando máxima prevenção contra o COVID-19, a comunidade do IEL tem discutido e cogitado a possibilidade de substituição das aulas presenciais pelo ensino à distância (EaD). Antes de tudo, é preciso qualificar este debate, pois em seu cerne há questões relativas à permanência estudantil e à desigualdade no acesso ao ensino superior público. Por isso, elaboramos a presente nota de reivindicação política.

Entre os dias 19 e 23 de março, recolhemos comentários do corpo estudantil do IEL quanto à viabilidade do acesso às aulas EaD (2). Foram-nos apresentadas muitas críticas, demandas e receios que, em suma, abarcam os seguintes pontos:

  • A desigualdade no acesso à tecnologia, dado a falta de condições materiais necessárias ao EaD (computadores, rede wi-fi e um ambiente adequado para estudo) na residência de alguns estudantes.
  • A impossibilidade de acesso a bibliotecas, laboratórios de informática, restaurantes universitários (3), serviços de assistência psicológica e psiquiátrica, salas de estudo e redes wi-fi; ou mesmo a espaços fora do campus, como lan-houses.
  • O aumento do tempo de dedicação à família, principalmente para estudantes que cuidam de idosos e filhos pequenos.
  • O aumento do tempo de dedicação ao trabalho (ainda mais considerando a redução da frota de ônibus), no caso de estudantes que trabalham e ainda não foram liberados.
  • A insegurança causada pela situação de instabilidade financeira de familiares, dado o fechamento de suas fontes de renda como pequenos comércios.
  • O desgaste psicológico e o receio quanto à disposição para os estudos, já que são tempos de stress e de cuidado constante com a própria saúde e a de pessoas próximas, ainda mais considerando que muitos podem vir a adoecer.
  • A perda de qualidade nas discussões e vetores práticos que precisariam ser desenvolvidos, presencialmente, em disciplinas que não foram planejadas para o EaD (sobretudo os estágios, que ficam impossibilitados).
  • A situação dos ingressantes que ainda não se familiarizaram à vida universitária (há ingressantes das últimas chamadas que ainda não obtiveram o seu e-mail institucional), há o receio de que a qualidade da formação básica do primeiro semestre seja comprometida.
  • A falta de experiência e formação específica dos docentes para as plataformas de EaD, bem como a não centralização das aulas em apenas uma plataforma.


Quando debatemos a permanência estudantil, falamos de muitos estudantes que dependem diretamente da estrutura do campus para o desenvolvimento de suas atividades acadêmicas. Muitos são trabalhadores e oriundos de famílias de baixa renda (4), portanto implicados pelos pontos apresentados acima.

Quando a conjuntura é de ofensiva das classes dominantes contra o ensino superior público, acreditamos que a nossa resposta deva ser unir forças entre a comunidade do instituto e nos solidarizar com aqueles que mais lutam para garantir a sua permanência na universidade. Se somos um mesmo corpo universitário e compartilhamos de uma luta em comum, não podemos simplesmente negligenciar a realidade de nossos estudantes.

Isto posto, reivindicamos que o IEL suspenda as aulas e quaisquer atividades avaliativas até que as atividades regulares na Unicamp retornem à normalidade — cujo indicativo de data, até o presente momento, é 30 de abril (5) — e que a negociação sobre a distribuição das aulas de reposição seja debatida e acordada, posteriormente, em conjunto com a comunidade do instituto.

O mundo caduca, estamos taciturnos, mas ainda nutrimos grandes esperanças. “O presente é tão grande, não nos afastemos. Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas” (6). Mesmo prevenidos em casa e a sós, devemos seguir de mãos dadas.

Centro Acadêmico da Linguagem (CAL)
e Representantes Discentes da pós-graduação no IEL,
23 de março de 2020.

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Referências
(1) Diário oficinal de Campinas, 22 de março de 2020.
(2) A organização destes comentários foi centralizada em uma publicação no Facebook do CAL.
(3) O RU está funcionando através de um sistema de marmitas, mas apenas para bolsistas SAE.
(4) Conferir a seção “Perfil Socioeconômico do Ingressante — 2010 a 2019” do último Anuário Estatístico da Unicamp.
(5) Conferir a última resolução da Reitoria (22 de março de 2020)
(6) “Mãos dadas”, Carlos Drummond de Andrade.