A implementação de ações afirmativas no ingresso à pós-graduação do Instituto de Estudos da Linguagem e de outros institutos da UNICAMP é resultado de um processo de reivindicação nacional e mesmo internacional de movimentos antirracistas. O fôlego mais imediato para a conquista dessa implementação na UNICAMP foi, em termos breves, o processo de disputa, discussão e implementação das cotas étnico-raciais no ingresso à graduação e a greve dos estudantes em 2016, que também envolveu a luta contra cortes orçamentários, cada vez mais graves, nas universidades públicas paulistas.

As cotas étnico-raciais pressupõem a materialidade do racismo nas interações cotidianas e nas instituições sociais, com consequências para a sobrevivência e o desenvolvimento de vidas, culturas e comunidades socialmente oprimidas, em relação às quais a Universidade deve ter um papel ativo. A pressuposição da materialidade do racismo como elemento da realidade brasileira passa pelo reconhecimento da séria restrição do acesso à educação formal que negras(os) e indígenas, brasileiros ou não, sofrem em decorrência do racismo no Brasil, seja nas relações interpessoais cotidianas, seja nas relações institucionalmente contingenciadas.

A discussão e a implementação de ações afirmativas para negra(o)s e indígenas no IEL-UNICAMP se deram nos últimos anos nas reuniões dos departamentos de Linguística, Linguística Aplicada e Teoria Literária do Instituto, com a participação ou o acompanhamento do GT Cotas Pós-IEL, composto por graduandos e pós-graduandos. Assim, as discussões e a implementação têm ocorrido de forma diferenciada. A seguir, apontamos as principais características dos processos seletivos descritos pelos editais para o ingresso em 2019:

Teoria Literária: Desde 2017, o Programa de Pós-Graduação em Teoria e História Literária da UNICAMP prevê a reserva de 20% do total das vagas abertas, destinadas a candidatos que se declararem, no ato da inscrição, negros (pretos e pardos) ou indígenas. Para ter direito à ação afirmativa por critério étnico-racial, os estudantes selecionados que concorrerem às vagas reservadas aos autodeclarados pretos ou pardos deverão possuir traços fenotípicos que os caracterizem como negros, de cor preta ou parda. O candidato que se autodeclarar indígena deve especificar na autodeclaração o grupo indígena a que está identificado e comprovar, no momento da entrevista, os vínculos com alguma comunidade indígena. Para os candidatos optantes pela ação afirmativa, a nota de corte na avaliação dos projetos é de 6,0, em vez de 8,0.

Linguística Aplicada:
Os professores do departamento de Linguística Aplicada optaram por abrir processo de cotas apenas para alunos pretos e pardos, deixando a possibilidade de abertura de vagas para indígenas para futuros processos seletivos em que a política de cotas já tenha sido acompanhada e avaliada.
Com a aplicação da ação afirmativa, o processo seletivo passou por uma série de mudanças para que se acomodasse da melhor forma a política de cotas.

  • Reserva de 25% de vagas para candidatos autodeclarados negros.
  • Garantia de proporção da porcentagem de 25% nas duas primeiras fases do processo. Caso o número de optantes por cotas não atinja o percentual de 25%, deverão ser chamados os optantes que não seriam convocados pelo cálculo da nota, até que se atinja o percentual de 25%. Essa garantia se encerra na terceira e quarta fases, de entrevista e análise curricular, sendo a terceira fase eliminatória e a quarta fase classificatória.
  • Quanto às provas escrita de Língua Portuguesa e Língua Estrangeira, uma mudança considerável que houve foi a possibilidade de o optante por cotas poder refazer a prova de Língua Estrangeira até o segundo ano do curso, desde que não zere a primeira tentativa.
  • As bolsas disponíveis também seguirão o critério de reserva de 25% para candidatos optantes por cotas, com a previsão de permuta e redirecionamento de bolsas no caso de o número de optantes por cotas ser menor que o número de bolsas, ou a situação contrária, em que o número de optantes pela livre-concorrência ser menor que o número de bolsas. Caso sejam aprovados mais optantes por cotas do que o número de bolsas, há a possibilidade de migração se houver optantes cujas notas sejam maiores ou iguais às notas dos livre-concorrentes; esse tipo de migração não excederá 25% do número de bolsas reservadas à política de cotas seguindo, findadas as bolsas reservadas, a colocação geral dos aprovados, por colocação.

Linguística:
A política afirmativa para Negros na Pós-graduação em Linguística possui as seguintes características:

  • As vagas de ampla concorrência e de reserva para optantes por cotas são preenchidas por ordem de classificação dos aprovados no processo seletivo;
  • Os negros (pretos ou pardos) são aqueles que se declaram por escrito como tal;
  • Há a reserva de 25% das vagas de ingressantes para negros optantes pela Política de Ação Afirmativa para Negros;
  • Se o número de optantes aprovados na prova de LE (Língua Estrangeira) é inferior a 25% do total de candidatos (optantes ou não) inscritos (arredondando-se para mais as frações iguais ou inferiores a 0,5%), a banca de seleção convoca para a fase seguinte os optantes com melhor desempenho na prova até atingir aquele percentual.
  • Se, ao final do processo seletivo, o número de optantes aprovados é menor que 25% do total de aprovados (arredondando-se para mais as frações iguais ou inferiores a 0,5%), são convocados optantes até chegar-se a esta porcentagem, desde que a média obtida no processo seletivo tenha sido de no mínimo 5,0. (http://www4.iel.unicamp.br/intranet/pos/editais/Edital_Linguistica_2019a.pdf)

 

Processo Seletivo para Indígenas

  • O pertencimento a uma etnia indígena é indicado por meio de documento de autodeclaração e de Reconhecimento e Apoio da Comunidade Indígena. O documento deve ser assinado pelo candidato, na parte concernente à  Autodeclaração, e por 3 (três) pessoas da comunidade, incluindo a principal autoridade indígena local (na parte da Comunidade Indígena);
  • São selecionados até dois alunos para o Mestrado e até dois alunos para o Doutorado, caso haja, pelo edital, candidatos indígenas suficientes com nota final igual ou acima de 7,0 (sete). Nesse caso, são convocados os dois primeiros lugares, em nota, entre os aprovados em cada um dos níveis;
  • Há prova escrita em língua portuguesa sobre questões relacionadas à situação das línguas indígenas no Brasil (a partir da experiência local do candidato), cujos objetivos avaliativos são: (1) avaliar o potencial de proficiência do candidato em leitura e escrita na língua portuguesa; (2) avaliar a maturidade do candidato para reflexão linguística.
  • Sobre o local da prova e entrevista:
    (a) para os candidatos que residam a menos de 600 km de Campinas, a prova escrita e a entrevista serão agendadas e realizadas no IEL-UNICAMP.
    (b) para os candidatos que residam a distâncias maiores que 600 km, será agendado um local mais próximo à sua residência, em que haja uma instituição de ensino superior, que funcionará como parceira-colaboradora nesse processo.
  • Na Súmula Curricular são pontuados, positivamente: a experiência profissional do candidato (se esta tiver afinidade com o projeto de pesquisa, especialmente com questões de educação e linguagem); seu engajamento em organizações e ações sociais relacionadas à questão indígena; sua relação maior ou menor com uma comunidade de sua etnia; sua experiência anterior com estudo, qualificação e reflexão escrita.
  • Proficiência em Língua Estrangeira:
    • O aluno de Mestrado deverá, ao longo do curso, realizar proficiência em uma língua estrangeira (inglês ou francês), caso não seja falante da língua indígena de sua etnia.
    • O aluno de Doutorado deverá, ao longo do curso, realizar proficiência em duas línguas estrangeira (inglês e francês), caso não seja falante da língua indígena de sua etnia. Caso seja falante da língua indígena de sua etnia, o aluno de Doutorado deverá fazer proficiência em apenas uma língua estrangeira (inglês ou francês). (http://www4.iel.unicamp.br/intranet/pos/editais/Edital_Processo_Seletivo_Indigenas_2019.pdf)

A implementação de ações afirmativas implica um processo de discussão, balanço e acompanhamento contínuo. Nesse sentido, os elementos acima apontados não são definitivos, pois devem ser objetos de reflexão em direção: ao aperfeiçoamento das ações afirmativas, que envolvem também políticas de permanência estudantil; à implementação dessa política para todos os cursos de pós-graduação da UNICAMP e para o quadro docente; à maior interlocução entre o debate do acesso à educação para indígenas e negras(os) em uma sociedade racista e etnocêntrica e o acesso, a qualidade, a ampliação e a garantia social da educação pública em todos os níveis para as camadas populares.

 

– GT Cotas Pós-IEL

Outubro de 2018