Questionamentos quanto à postura de censura da Abralin no Instagram

Dirigimo-nos à Associação Brasileira de Linguística (ABRALIN), indignados com o ocorrido em seu perfil oficial no Instagram, em 9 de junho deste ano, dia em que o perfil fez uma postagem em apoio ao #shutdownacademia, que ocorreria no dia seguinte, movimento virtual de apoio ao antirracismo, resumido pela Abralin sob a hashtag #blacklivesmatter.

Na ocasião, o doutorando em linguística pelo IEL/Unicamp, professor do Instituto Federal de Alagoas e pesquisador negro Wellton da Silva de Fatima, comentou a postagem afirmando que apenas hashtags em inglês nas redes sociais, que trazem a visibilidade do protesto estadunidense à associação, não bastavam se a Abralin não adotasse posturas mais concretas em favor do antirracismo, intervindo na realidade da Linguística brasileira. Wellton já havia comentado anteriormente, sem nenhuma resposta por parte da associação, a necessidade de ações mais concretas como financiamento de pesquisadores negros pela Abralin, já que a associação dispõe de poder financeiro e institucional. De maneira surpreendentemente desproporcional, a Abralin, por meio de seu perfil, acusou Wellton de “perseguição”. Não bastando isso, a associação ainda censurou o pesquisador, bloqueando-o em sua rede, censurou seguidores que questionaram sobre o ocorrido, ignorando ou apagando seus comentários, e fechou comentários em postagens recentes, relacionadas à temática racial, principalmente, impedindo qualquer reação ou questionamento.

Diversas pessoas, entre elas associados da Abralin, questionaram publicamente, nas redes sociais e por canais oficiais, a postura da entidade, pedindo que houvesse um posicionamento sobre o ocorrido. As últimas postagens da entidade no Instagram estão repletas de comentários cobrando que a associação explique o que aconteceu. Nenhuma dessas intervenções teve resposta até o momento. Então, questionamos, por meio desta carta, como essa postura condiz com a defesa que a instituição fez, ao longo dos últimos dias, da pauta “antirracista” e “antifascista”? Por que uma sugestão de ações antirracistas para além das redes sociais foi compreendida pela associação como “perseguição”? Por que, perante às críticas e sugestões, o perfil do pesquisador foi bloqueado?

Sabemos que a dura realidade da população negra e as permanentes violências raciais aqui ocorridas precisa urgentemente de ações concretas para além das redes sociais. Essas ações só acontecerão efetivamente a partir da escuta e da reavaliação das posturas reproduzidas pelas instituições, que contribuem para a manutenção do racismo estrutural, racismo este que excluiu, por muito tempo, pessoas negras da academia e da produção de conhecimento. Por isso, acreditamos que não há antirracismo sem que se ouça as críticas daqueles que sofrem o racismo todos os dias, inclusive academicamente, com o apagamento de suas demandas e representações. Sem escuta e diálogo, o antirracismo das redes, com suas hashtags em inglês, se torna apenas o velho e já conhecido antirracismo pra inglês ver.

Pelo histórico de resistência e engajamento da Abralin, queremos acreditar que a associação realmente está comprometida com a luta antirracista e antifascista. No entanto, nenhum antirracismo e antifascismo concebe que a censura seja utilizada para calar críticas construtivas de pesquisadores negros e ignorar a realidade monocromática da Linguística brasileira, que se materializa, por exemplo, na disparidade naturalizada entre a presença de pesquisadores brancos e negros nas últimas ações onlines da Abralin.
Demandamos que a Abralin venha a público se retratar por sua postura acusatória e por sua adesão à censura e que, assumindo a responsabilidade de construir alternativas efetivas, apresente propostas a serem implementadas pela associação para o combate ao racismo na academia.

Campinas, 14 de junho de 2020.

Assinam essa carta:
Centro Acadêmico de Linguagem – Gestão PAGU;
Representação Discente da Pós Graduação do IEL/Unicamp;
Associação de Pós-Graduandos e Pós-Graduandas da Unicamp – Gestão Ciência e Resistência;
Núcleo de Consciência Negra da Unicamp.